4 de janeiro de 2014

Uma história matinal

Era de manhã, a segunda noite que dormia mal, e o segundo sábado consecutivo que acordava estranha. Desistiu de tentar dormir e resolveu que queria escrever, mas não um texto em primeira pessoa como seus tantos, queria uma narrativa, queria fingir que não era ela.

Acordou achando que o "eu" era sempre meio egoísta e não bastando tinha o agravante de que ela sempre se achava meio maluca, meio estranha, porque sentia que não podia segurar suas palavras dentro da boca, ou do teclado. Então ser terceira pessoa era um melhor negócio.

Falar de si em uma narrativa sempre dá o direito de dizer que "ora, imagina, não falava de mim, foi só história boba", falar de si em uma narrativa era mais seguro e ela estava cansada de insegurança.

Ficou só de camiseta sentada em frente ao computador, a barrinha da escrita piscando intermitente e ela sem saber o que escrever, na verdade ela sabia exatamente o que escrever, mas não podia, já não era criança e tinha aprendido que é preciso domar os pensamentos, não se pode deixar eles soltos por aí, sabia que transformar pensamentos em palavras nem sempre era boa coisa e ela tinha aprendido isso por tentativa e erro, mais erros na verdade.

Por mais que fosse controladora, se controlar para não ser ela, era bem difícil e tudo o que conseguiu pensar, é que afinal, talvez estivesse dormindo mal porque estava indo dormir outra pessoa, estava indo dormir domada, como as palavras que segurava dentro da cabeça, amarradas, todas as palavras quietinhas num canto do cérebro, todas quietinhas num canto do cérebro esperando ela dormir para serem o que nasceram para ser, palavras, palavras soltas. Mas ela não estava dormindo bem, as palavras estavam cada vez mais irritadas, ainda que estivessem quietas.

Por fim ela desistiu de contar uma história, afinal, ela não conseguiu escrever muito sem dizer nada e as palavras estavam inquietas demais, quase ganhando força, assim, ela achou mais seguro voltar para a cama. Ela e as palavras, mudas.

Um comentário:

Descontente disse...

Até podem adormecer, temporariamente, mas algumas histórias simplesmente não aceitam a desistência e hora ou outra voltam a "incomodar". Quem sabe então não será o momento certo de dar vida às palavras?