Eu não tenho um gato, cachorro, filho, papagaio para me ocupar. Eu não jogo bola, não toco violão, não tenho uma paixão por tricotar, eu acho que não tenho nada mesmo. Eu queria ter um hobby, mas eu odeio essa palavra, acho que queria ter um passatempo, algo que me desligasse de quem sou, da rotina. Mas eu não tenho nada. Mentira, eu tenho um computador, um celular, livros, livros, dvd's, dvd's, discos, roupas e sapatos. Ah, tenho bolsas também e tatuagens. É isso.
E eu passei o dia pensando no que eu não tenho e pensei também em como eu me fecho, na facilidade gigante que eu tenho de fingir que me basto e pensei também na segurança que nem sempre tenho e, como muitas vezes eu prefiro ser invisível. Prefiro que não me vejam, que não me notem, mas acho que isso é mentira também, porque dizem que no fundo todo mundo quer ser notado, ser importante e amado e fico em dúvida se minha postura não grita isso, digo, as tatuagens a mostra talvez digam isso, talvez. Embora eu realmente gosto delas, e gosto de olhar para todas elas, é orgulho que sinto.
E daí que quando desci do ônibus a caminho da terapia, mais uma vez eu tirei meus fones, tirei porque finalmente acreditei que ele me isola, assim como os livros, como as revistas, como a minha miopia, são fatores que me isolam das pessoas e eu normalmente gosto disso, mas resolvi que não é legal ser assim, porque quando eu ficar velha, coisa que já tô ficando, e isolada, manter 50 gatos numa velhice deve ser algo complicado e nem falo em marido, mas amigos, que amigos vão me ajudar se eu me tornar uma pessoa sozinha e com 50 gatos? Acho que nenhum.
Pensei também que quando ando na rua quase sempre olho para o chão, eu desvio o olhar das pessoas, eu preciso mudar isso também, andar sem fone e olhando as pessoas, simbolicamente eu preciso reaprender a andar, olha só.
Eu não tenho nada e só trabalho, é isso. Eu trabalho, durmo, pago contas, trabalho. Ah, eu reclamo também, porque eu sou uma pessoa mediana, então preciso reclamar. Eu também escuto trechos de músicas e me identifico, quer ver?
Giz, Legião Urbana
"Só apareço, por assim dizer
Quando convém aparecer
Ou quando quero
Quando quero"
Quando convém aparecer
Ou quando quero
Quando quero"
Prazer, assim sou eu, só quando quero, porque sou egoísta.
"Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
E, pra ser honesto,
Só um pouquinho infeliz..."
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
E, pra ser honesto,
Só um pouquinho infeliz..."
Eu lembro de muitas coisas, coisas que machucam, mas que me faz forte e um pouco infeliz, nada grave.
Perdendo dentes, Pato Fu
"As brigas que ganhei
Nem um troféu
Como lembrança
Pra casa eu levei
As brigas que perdi
Estas sim
Eu nunca esqueci"
Nem um troféu
Como lembrança
Pra casa eu levei
As brigas que perdi
Estas sim
Eu nunca esqueci"
Porque meu maior potencial é ressaltar e valorizar perdas, danos e cagadas no decorrer da vida.
Lá vou eu, Zélia Duncan
"Num apartamento perdido na cidade,
Alguém está tentando acreditar
Que as coisas vão melhorar ultimamente.
A gente não consegue
Ficar indiferente debaixo desse céu"
Alguém está tentando acreditar
Que as coisas vão melhorar ultimamente.
A gente não consegue
Ficar indiferente debaixo desse céu"
Substitui apartamento por sobrado.
Você vai me destruir, Vanessa da Mata
"Você vai me destruir
Como uma faca cortando as etapas
Furando ao redor
Me indignando, me enchendo de tédio
Roubando o meu ar
Me deixa só e depois não consegue
Não me satisfaz"
Como uma faca cortando as etapas
Furando ao redor
Me indignando, me enchendo de tédio
Roubando o meu ar
Me deixa só e depois não consegue
Não me satisfaz"
Porque ultimamente é assim, uma pequena destruição seguida de insatisfação.
Tem a recomposição futura, mas daí não cabe na letra e nem no texto, porque hoje só servimos pessimismo.