30 de abril de 2013

O dia que pensei demais

Eu vou fazer 32 anos e não tenho porra nenhuma, não tenho uma vida construída, não tenho algo concreto e nem num longo prazo devo ter. Não tenho carro, imóvel e nem um parceiro para fingir que tô construindo a vida ao lado de alguém ou para me acomodar.

Eu não tenho um gato, cachorro, filho, papagaio para me ocupar. Eu não jogo bola, não toco violão, não tenho uma paixão por tricotar, eu acho que não tenho nada mesmo. Eu queria ter um hobby, mas eu odeio essa palavra, acho que queria ter um passatempo, algo que me desligasse de quem sou, da rotina. Mas eu não tenho nada. Mentira, eu tenho um computador, um celular, livros, livros, dvd's, dvd's, discos, roupas e sapatos. Ah, tenho bolsas também e tatuagens. É isso.

E eu passei o dia pensando no que eu não tenho e pensei também em como eu me fecho, na facilidade gigante que eu tenho de fingir que me basto e pensei também na segurança que nem sempre tenho e, como muitas vezes eu prefiro ser invisível. Prefiro que não me vejam, que não me notem, mas acho que isso é mentira também, porque dizem que no fundo todo mundo quer ser notado, ser importante e amado e fico em dúvida se minha postura não grita isso, digo, as tatuagens a mostra talvez digam isso, talvez. Embora eu realmente gosto delas, e gosto de olhar para todas elas, é orgulho que sinto.

E daí que quando desci do ônibus a caminho da terapia, mais uma vez eu tirei meus fones, tirei porque finalmente acreditei que ele me isola, assim como os livros, como as revistas, como a minha miopia, são fatores que me isolam das pessoas e eu normalmente gosto disso, mas resolvi que não é legal ser assim, porque quando eu ficar velha, coisa que já tô ficando, e isolada, manter 50 gatos numa velhice deve ser algo complicado e nem falo em marido, mas amigos, que amigos vão me ajudar se eu me tornar uma pessoa sozinha e com 50 gatos? Acho que nenhum.

Pensei também que quando ando na rua quase sempre olho para o chão, eu desvio o olhar das pessoas, eu preciso mudar isso também, andar sem fone e olhando as pessoas, simbolicamente eu preciso reaprender a andar, olha só. 

Eu não tenho nada e só trabalho, é isso. Eu trabalho, durmo, pago contas, trabalho. Ah, eu reclamo também, porque eu sou uma pessoa mediana, então preciso reclamar. Eu também escuto trechos de músicas e me identifico, quer ver?

Giz, Legião Urbana

"Só apareço, por assim dizer
Quando convém aparecer
Ou quando quero
Quando quero"

Prazer, assim sou eu, só quando quero, porque sou egoísta.

"Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
E, pra ser honesto,
Só um pouquinho infeliz..."

Eu lembro de muitas coisas, coisas que machucam, mas que me faz forte e um pouco infeliz, nada grave.

Perdendo dentes, Pato Fu

"As brigas que ganhei
Nem um troféu
Como lembrança
Pra casa eu levei
As brigas que perdi

Estas sim
Eu nunca esqueci"
Porque meu maior potencial é ressaltar e valorizar perdas, danos e cagadas no decorrer da vida.

Lá vou eu, Zélia Duncan

"Num apartamento perdido na cidade,
Alguém está tentando acreditar
Que as coisas vão melhorar ultimamente.
A gente não consegue
Ficar indiferente debaixo desse céu"

Substitui apartamento por sobrado.

Você vai me destruir, Vanessa da Mata

"Você vai me destruir
Como uma faca cortando as etapas
Furando ao redor
Me indignando, me enchendo de tédio
Roubando o meu ar
Me deixa só e depois não consegue
Não me satisfaz"

Porque ultimamente é assim, uma pequena destruição seguida de insatisfação.

Tem a recomposição futura, mas daí não cabe na letra e nem no texto, porque hoje só servimos pessimismo. 

14 comentários:

Rafael Mansano disse...

Querer ter as coisas, ser alguém, mudar, todo mundo quer, mas só consegue quem realmente dá um passo à frente. Você já fez isso. Logo terá um milhão de coisas suas e uns 100 amigos pra te ajudar a cuidar dos 50 gatos na velhice. Tenho certeza. ;)

Anônimo disse...

Carpe Diem!

Lavynnya

. disse...

E aí vou te contar que você entra, gloriosa e impávida, 30 adentro (e você chega oficialmente mais perto dos 40), tem filho, tem casa, tem carro, gatos, tem de um tudo e ainda sente aquele ímpeto de se isolar e de pensar que não tem nada de mais, conclui que na verdade tem uma vidinha bem ordinária e diferente de todo aquele glamour. E além disso puff! tanta coisa pode ruir de uma hora pra outra.

Milla disse...

Rafael, obrigada pelo comentário, espero isso aconteça :)

Lavynnya, estamos trabalhando pra isso ;)

Deh, pois é, eu acho que às vezes vivemos numa busca contínua e o risco de nos tornamos eternas insatisfeitas são grandes ;*

Maria Cândida disse...

Sei lá. Não te conheço. Mas, pra mim, você parece estar super bem. :)

Anônimo disse...

Milla, e se você resolver pensar no quem tem? No mínimo, tem o dom de escrever bem. Item 1 da listinha. Senso de humor, ainda que à la "garoto enxaqueca". Item 2.

Gabi T. disse...

esse foi (obviamente) o primeiro post que li aqui, o primeiro fragmento de espelho que me fez perseguir os outros pedaços generosamente ofertados a pessoas estranhas como eu. seguir a trilha foi como seguir a mim mesma – guardadas, claro, algumas esperadas idiossincrasias, que ninguém é igual nesse mundo.

ainda não cheguei aos 30, moro sozinha e tenho dois gatos, mas veja só: não tenho ainda meu diploma porque no meio do caminho tive de me submeter a diversos tratamentos, incluindo cirurgias de altíssimo risco, para tratar uma doença que tinha/tenho e que estava me incapacitando para a vida. nesse íterim, a "tendência depressiva" virou depressão das bravas, incapacitante: um novo hiato. fui morar sozinha porque minha mãe me adoece (mais), mas é ela quem paga minhas contas e, fatalmente, as dos meus gatos também.

ansiosa crônica que sou, tudo isso me atormentou durante muito tempo. "eu não tenho nada", era o que eu pensava. quem disse? após muitos anos de análise, autorizei-me a ter meus tempos, que não são os mesmos dos outros, esses que esfregam na cara da gente como “os que venceram na vida”. ninguém é igual, escrevi acima e é em que acredito. não me sinto mais obrigada a explicar por que diabos ainda não me formei ou o porquê de eu não trabalhar. tenho ainda a propensão de evitar as pessoas: tornou-se instintivo, com o passar do tempo. não queria explicar nada. só depois percebi que ninguém se importa verdadeiramente com isso, nem os amigos de quem me afastei por não querer incomodar. fui convidada pra ser madrinha de casamento de um deles, inclusive. a primeira coisa que eu pensei enquanto chorava verbalizando aceitava o convite foi "eu não mereço". quem disse? meu amigo achou que eu merecia, quem sou eu pra dizer que não? percebi que era eu que importava, a amiga que pude ser, não minhas limitações. desde então tenho tentado ser mais presente. algumas vezes eu não consigo, esses são meus tempos. tenho tentado, tentado muito derrumar os muros que contruí. ontem, num intervalo de aulas, escrevi uma "to do list" e me inspirei nesse post pra isso. terminei um relacionamento longo e doloroso há alguns dias e sequer tenho vontade de ouvir "i know it's over" no repeat. sabe aquela história de ser menos morrissey e mais mick? tenho tentado.

todas essas confissões foram a forma que encontrei pra dizer que você me inspirou com seu blog e a forma que encontrei de retribuir. espero que inspire você também, ao menos um pouquinho, já que eu não tenho o seu talento pra escrita.

obrigada. de novo.

Gabi T. disse...

p.s.: o texto acima foi publicado sem revisão, era pra ser associação livre mesmo. estou em obras e peço desculpas pelo inconveniente. :D

Milla disse...

Oslo, tô melhor :)

Júlia, é um viés super bacana, eu tento ir por ele, mas às vezes eu falho. Obrigada pelo "o dom de escrever bem" e pelo "Senso de humor, ainda que à la "garoto enxaqueca".

Hahah

Beijo!

Milla disse...

Gabi, suas palavras me inspiraram sim, sobretudo por saber que você vem aceitando ser merecedora de coisas bacanas, o que confesso, luto todo dia para conseguir, tento com força não me definir pela minha fraqueza, mas sim pela minha força em outras coisas, não pelas perdas, mas pelos ganhos, mas é difícil demais isso, você sabe, né?

Ver que alguém consegue, ainda que se esforçando, me anima muito, é frestinha de luz no corredor escuro e por isso obrigada, por dividir parte da sua vida aqui e pela identificação pois, como disse, não me sinto tão só em saber que não sou só eu que vejo as coisas por essa ótica meio torta, mas não impossível de mudar.

Torço para que você melhore gradativamente e quanto ao coração quebrado por relacionamento, o clichê de todos os tempos se sustenta, "o tempo cura". Eu odiei ouvir isso quando rompi um relacionamento de 8 anos, não vi sentido algum no tempo que só me torturava, mas ser mais Mick com certeza ajuda. Embora esse texto seja altamente pessimista, eu venho tentando ser uma pessoa bem mais otimista, sabe? Até que funciona bem, mas como ainda não sou o equilíbrio em pessoa, às vezes sai um texto como esse aí e rola uma depressãozinha, coisa que acho até que bem natural, sei lá.

Li seu comentário agora de manhã e saiba que comecei o dia bem por sua causa. Bom, é isso, obrigada mais uma vez, de verdade :)

Beijo, Gabi!

Fábio Q. disse...

Oi, cai aqui sem querer...
Li seu post e achei interessante como as coisas podem ser iguais por razões diferentes, e como o sintoma nem sempre reflete a causa...
...Explico melhor...
Sou uma pessoa de origem humilde, que trabalhei/estudei pra conquistar o que queria e julgo que tenho conquistado algumas coisas...Comprei uma casinha, tenho meu carro a algum tempo(que, veja só terminei de pagar esse mês), tenho uma paixão pra tricotar ...
Onde quero chegar:
Ando pensando em como me fecho nas coisas que conquistei e nas minhas convicções(paradigmas) e finjo que isso me basta... Me fecho na segurança, que ter um emprego fixo proporciona, ignorando o fato que me sinto um robô sem cerebro...
Que prefiro que não me notem, como um ser cheio de dúvidas, por achar minhas convicções são importante para servir de exemplo para meus irmãos mais novos...
Que prefiro ser Miope e não ver todos esses fatos ... que me privo de fazer algo que tenho vontade (poderia ser: “ter 50 gatos”), para manter as contas em dias...
Que o simples fato de te escrever me aflige... Pois tem trabalho me esperando...
“Travado a mente na ideologia”, com a “boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”...
Como o tempo passa rápido, e como me falta ...

...Não tenho nada

Gabi T. disse...

milla, esqueci de dizer, além das coisas que já te disse hoje: meu coração não está partido. esteve. entre muitos términos que antecederam o fim definitivo, diversas vezes mesmo durante o relacionamento, mas agora não. foi um término resignado, de quem já tentou de tudo - e de quem já sabia desde o início que acabaria um dia porque tínhamos planos muito distintos para o futuro, não íamos traçá-los juntos. ficamos enquanto havia amor. ainda há amor, mas a vida se encarregou de transformar em rima dessa vez. e eu vi as possibilidades, não a perda.

mesmo ocultando essa informação, você conseguiu perceber do que se tratava o meu post-confissão: ok, você tem suas faltas, todos temos (se tivermos sorte!), mas o que é que se faz com isso? o que você fez com isso até agora? em que pese tudo o que disse, acredito que esteja indo bem, "apesar de". ando otimista também, sabe? e não há nada errado em pensar demais, contanto que você se (re)pense novamente, eu acho.

p.s.: estou no (que espero ser) último semestre de psicologia e sou fortemente contaminada pela psicanálise, por isso usei o termo "faltas". é que a falta, pra essa teoria, é inerente à condição humana. se o sujeito for um neurotiquinho saudável, claro!

prometi parar com isso, mas eu é que agradeço por ter caído aqui ao acaso e ter lido você. esse pedacinho de você que achei tão bonito, sensível e honesto.

até breve! :)

Gabi T. disse...

*mesmo ocultando essa informação, entre outras tantas.

há seis meses já não tomo antidepressivos, me sinto melhor, mas não tem sido fácil. os últimos quatro anos foram os piores da minha vida adulta e 2013 tem me dado grandes tombos. mas não quero cair, não posso de novo, "é contra mim que luto, não tenho outro inimigo". sofro o necessário, ponho as coisas em perspectiva e tento. de novo, e de novo. o "ideal" era muito bonito, mas o "possível" já não me tira do eixo. tenho conseguido seguir com o que é possível.

bem, era sobre isso.

acrescentar à lista: não fazer tanto esforço pra se fazer entender, ainda é explicação. rs

Renata disse...

:*** e um abraço.